Histórias do Mundial: As táticas criativas do Zaire para perder tempo em campo
- Updated: 08/12/2022
Desde a primeira vez que o Mundial aconteceu, em 1930, adeptos de todo o mundo vibram com os momentos inesquecíveis que foram acontecendo ao longo dos anos. Podemos pensar em muitos momentos, bons e maus, mas hoje vamos falar de uma situação que só pode ser descrita como bizarra, e que aconteceu no Mundial de 1974. Estamos a referir-nos ao momento em que um defesa do Zaire, país agora conhecido como República Democrática do Congo, correu para fora da barreira de defesa e rematou a bola para longe dos brasileiros.
Para entender este bizarro incidente, vamos primeiro perceber como o Zaire chegou ao Mundial de 1974 e depois analisamos melhor esta situação e os rumores à sua volta.
Porque é que foi tão especial para o Zaire jogar no Campeonato do Mundo de 1974?
O Zaire era um país africano que foi estabelecido em 1971, que em 1997 deu lugar à República Democrática do Congo. Mesmo no curto período de existência do país, ou pelo menos quando o país se designava de Zaire, teve a oportunidade de participar no Mundial e garantir um lugar na história à altura da sua dimensão, isto porque o Zaire era um dos maiores países em África, fazendo fronteira com 9 países.
Na altura do Mundial, o Zaire era o atual campeão do Campeonato Africano das Nações, por isso sabia bem como ganhar grandes competições de futebol e os seus jogadores tinham qualidade para jogar no Mundial. Por isso, talvez não tenha sido surpresa ver este país a conseguir chegar ao maior palco do futebol mundial. O Zaire foi considerado o primeiro país negro africano a chegar a um Mundial. Assim, os jogadores nativos do Zaire sentiam a sua quota-parte de responsabilidade em representar bem o seu país e carregavam um enorme orgulho nacional.
Esta competição significou muito para o Zaire, e como referido acima, o facto de serem considerados a primeira nação negra a jogar no Mundial teve um impacto muito grande na força de vencer dos jogadores. Nos primeiros jogos do Zaire foi visível essa força e ambição, mas acabou por desvanecer-se nos jogos seguintes.
Onde tudo começou a correr mal
Mobutu Sese Skero era o ditador que liderava o país e tinha chegado ao poder com um golpe militar nos anos 60. Tal como a maioria dos ditadores, ele não era propriamente adorado pela população. A verdade é que ele foi o responsável por muitos dos problemas a acontecer no Zaire e à sua volta.
O ditador mostrava-se orgulhoso da seleção nacional pela sua qualificação para o Mundial de 1974 e decidiu angariar fundos que seriam destinados, supostamente, aos jogadores. Na realidade, o círculo próximo de Mobutu conseguiu aceder aos fundos e também viajaram com a equipa para a Alemanha Ocidental, onde seria realizado o Mundial de 1974. Em pouco tempo, o dinheiro angariado tinha desaparecido graças à habilidade dos oficiais do governo em desviar uma boa parte. Quando os jogadores perceberam ser deste dinheiro que os seus salários seriam pagos, e como já não havia dinheiro, os jogadores afirmaram que não iriam jogar o segundo jogo de grupo contra a Jugoslávia.
Para que isso não acontecesse e o Mundial de 1974 não se tornasse num desastre absoluto, a FIFA interveio e assumiu o pagamento aos jogadores. No entanto, era evidente que os jogares tinham perdido o entusiasmo e o orgulho com o qual entraram no torneio, acabando por perder 9-0 contra a Jugoslávia, seguindo-se uma derrota de 3-0 contra o Brasil.
O momento em que o Zaire mudou as regras do futebol
No terceiro e último jogo de grupo aconteceu um momento que pode ser considerado no mínimo de bizarro. Quando o Zaire jogou contra o Brasil, era óbvio para todos que a seleção brasileira iria ganhar facilmente este jogo, e a verdade é que contra a Jugoslávia, o Zaire acabou por sofrer uma derrota de 9-0. Por isso, este jogo não era uma questão de quem ganha ou perde, mas sim por quantos golos é que o Zaire ia perder.
Uma das situações mais estranhas na história do Mundial aconteceu na segunda parte deste jogo, num momento em que o Brasil liderava por 2-0 sendo assinalado um livre a favor do Brasil na entrada da grande área. E é nesse momento que um momento bizarro acontece: o árbitro apitou e vários jogadores brasileiros hesitaram em rematar a bola, e é nestes segundos de hesitação que o defesa do Zaire, Mwepu Ilunga, sai da parede de defesa e remata a bola para longe. Os jogadores brasileiros mostraram-se perplexos com o que tinha acabado de acontecer, e o árbitro correu para onde estavam os jogadores e assinalou cartão amarelo a Ilunga.
Este incidente recebeu atenção mediática a nível nacional, mas muitas vezes não foi contado corretamente. Por isso mesmo, explicamos aqui as verdadeiras razões por detrás desta atitude de Ilunga, que envolve alguns elementos.
Ameaça de expulsão do Zaire
Para compreender o primeiro elemento, é preciso recordar que o Zaire era um país controlado por um ditador, que governava com um punho de ferro. Mobutu, apesar de estar orgulhoso da equipa por chegar ao Mundial, não ficou muito feliz quando perderam 9-0 contra a Jugoslávia. Esta derrota, segundo ele, trouxe vergonha à sua imagem e à nação. O próximo jogo seria contra o Brasil e também seria o último, visto que o Zaire estava na última posição no seu grupo.
Segundo os relatos, Mobutu enviou os guardas armados que viajaram com a equipa para entregar uma mensagem aos jogadores, tendo sido avisados que se perdessem com o Brasil por 4-0 ou pior, não seriam autorizados a regressar ao seu país. É este o contexto que temos de ter em consideração para compreender porque é que este incidente aconteceu.
Um momento apelidado erradamente de “ignorância africana”
Quando Ilunga sai da barreira de defesa e remata a bola, o comentador da BBC, John Motson, descreve aquela situação como um momento bizarro de ignorância africana. Motson quis afirmar que Ilunga rematou a bola porque não compreendia as regras do jogo, e ainda há muitas pessoas que contam esta história acreditando que o que Motson disse é verdade, no entanto, isso não corresponde à realidade.
É óbvio que os jogadores conheciam as regras do jogo, elas foram ignoradas neste caso por outras razões. Há quem afirme que o pânico foi a razão pela qual Ilunga decidiu rematar e evitar assim um possível golo do Brasil.
Perder tempo para sofrer menos golos
Voltamos a recordar o momento em que Mobutu ameaçou os jogadores com a sua proibição de entrar no seu próprio país se sofressem 4 ou mais golos contra o Brasil, e foi com esta ameaça em mente que os jogadores entraram em campo para o seu jogo final.
Quando o incidente aconteceu, o Brasil ganhava ao Zaire por 2-0 e faltavam cerca de 15 minutos para o fim do jogo. O livre aconteceu mesmo à entrada da grande área que era uma posição favorável ao golo do Brasil. Quando o árbitro apitou para que a equipa brasileira pudesse rematar, ninguém da equipa chutou imediatamente e isso deu oportunidade para que Ilunga corre-se e chutasse a bola para longe. Ao fazê-lo, ele recebeu um cartão amarelo, mas conseguiu atrasar o jogo.
Ao contrário do que foi dito pelo comentador da BBC, é claro que este incidente não aconteceu pela falta de compreensão relacionada com as regras do jogo, mas sim por uma estratégia que se focava em perder tempo de jogo.
A seleção brasileira ficou perplexa com aquele remate e acabou por não conseguir marcar. No entanto, conseguiram fazê-lo mais tarde e o resultado terminou com 3 golos sofridos pelo Zaire. Os jogadores do Zaire e mesmo as suas famílias podem considerar Ilunga como um herói, porque a verdade é que conseguiu evitar um possível golo que poderá ter salvo toda a equipa.
Infelizmente, Ilunga foi sempre ridicularizado por esta situação, sendo importante que a verdadeira história seja contada e a verdade reposta. De facto, este incidente bizarro aconteceu por desespero e poderá ter salvo a vida de todos os jogadores da seleção nacional do Zaire.
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