Histórias do Mundial: Quando a Argentina de Maradona foi vaiada em 1990
- Updated: 04/12/2022
Com o Mundial de 2022 no Qatar em disputa, olhamos para os momentos que marcaram o Mundial de futebol e que permanecem até hoje na nossa memória, sejam eles bons ou maus.
Diego Armando Maradona foi criado numa favela na periferia de Buenos Aires e tornou-se num dos jogadores mais icónicos de sempre. Era um futebolista enigmático e misterioso acarinhado por todo o país.
Maradona era conhecido como El Pibe de Oro, que significa O Menino de Ouro e não é muito difícil perceber o porquê. No verão de 1990, com 29 anos, Maradona conseguiu tornar famoso o desconhecido clube de Nápoles com a vitória do segundo título do Campeonato Italiano de Futebol da história do clube.
Já sendo muito conhecido na Itália e contando com o carinho dos adeptos, Maradona preparava-se para mais um Mundial de futebol que seria curiosamente organizado pela Itália, país que conhecia muito bem e no qual vivia por jogar no Nápoles.
Depois de uma receção calorosa em Itália, Maradona já conhecia bem o terreno em que ia jogar e contava com uma multidão de fãs que seguiam a sua carreira como se fossem seus discípulos.
Maradona: o filho adotivo do Nápoles
A proximidade partilhada entre Diego Maradona e o povo de Nápoles estava profundamente enraizada e resultava da partilha de experiências e lutas contra a discriminação. Maradona era o filho de migrantes do território mais pobre da Argentina e desde muito cedo sabia o que significava ser ridicularizado e prejudicado pelas classes média e alta do país.
Quando chegou a Nápoles em 1984, ele encontrou uma cidade de afinidades, pessoas que tinham sofrido discriminação nas mãos do Norte de Itália durante décadas.
A rivalidade entre o norte e o sul de Itália ainda se mantém em 2022, mas foi particularmente gravosa nos anos 80 e início dos anos 90, quando os napolitanos foram tratados com desprezo tal como muitos migrantes económicos enfrentam atualmente. As cidades ricas do Norte consideram o Sul como não sendo verdadeiramente italianos. Na sua estreia pelo Napoli em 1984 em Verona, os adeptos da casa colocaram uma faixa que dizia “bem-vindos a Itália”. Essa faixa ainda é usada quando o Nápoles joga na cidade.
Os adeptos do Milão, Juventus e Génova, entre outros clubes, deram o mesmo tipo de tratamento ao Nápoles de Maradona, por isso quando as brilhantes performances de Maradona levaram o Napoli do 0 até ao topo da liga italiana, o sucesso em campo representou ainda mais por tudo o que tinha acontecido até ao momento. Maradona deu a Nápoles um novo sentimento de orgulho e fez com que o povo napolitano se defendesse contra os ataques dos italianos do Norte.
Apesar de todo o amor recebido pelos napolitanos, no resto da Itália o sentimento era contrário e isso era visível quando jogava fora da cidade. No Mundial de 1990, Maradona experimentou em primeira mão quão forte era essa hostilidade.
Mundial de 1990: Uma receção negativa em Milão
A Argentina ficou colocada no grupo B do Mundial, juntamente com os Camarões, Roménia e União Soviética. A seleção argentina começou o Mundial de 1990 a jogar contra os Camarões a 8 de Junho. Talvez já estivessem à espera, mas Maradona e os seus colegas da seleção tiveram receções muito negativas em San Siro (Milão), sendo que os adeptos italianos vaiaram a seleção argentina durante o hino nacional do país antes do início do jogo. Para os adeptos que assistiam ao jogo em Milão, Maradona representava o Napoli e o seu povo.
A Argentina acabou por perder este jogo contra os Camarões e no rescaldo Maradona disse: “O meu único prazer esta tarde foi descobrir que os italianos em Milão deixaram de ser racistas: hoje, pela primeira vez, eles apoiaram os africanos”.
A Argentina conseguiu arranjar forças para vencer a União Soviética por 2-0 no segundo jogo. O jogo teve lugar no Estádio Diego Armando Maradona, em Nápoles, e o ambiente vivido era muito mais confortável para a seleção argentina. Num jogo muito renhido, a Argentina precisava que Maradona fizesse da sua magia para ter a certeza que conseguia evitar ser eliminada. O avançado marcou um golo de cabeça e mais uma vez salvou o jogo numa altura em que estava empatado a 0-0.
O último jogo da Argentina nesta fase de grupos foi contra a Roménia e voltou a ser na cidade de Nápoles. O jogo acabou com um empate a 1-1 e permitiu a passagem da Argentina à próxima fase do Mundial.
A Argentina avança para as eliminatórias
A 24 de Junho, a seleção Argentina defrontou o Brasil nos oitavos de final, um jogo que seria muito intenso tendo em conta que o Brasil era um dos rivais históricos da Argentina. Mais de 60,000 adeptos foram a Turim, ao Estádio Delle Alpi, assistir ao jogo e esperavam uma clara vitória do Brasil.
O único golo do jogo foi marcado com a assistência de Maradona que atraiu para si vários jogadores brasileiros e depois passou a bola ao seu colega de equipa Claudio Caniggia, que acabou por marcar. O jogo terminou assim com a vitória da Argentina deixando muitos adeptos surpreendidos com este resultado.
Nos quartos de finais, a Argentina defrontou a Jugoslávia em Florença e foi necessário o jogo chegar aos penáltis para a Argentina vencer. Do lado da Jugoslávia, a equipa contava com estrelas como Dragan Stojkovic, Robert Prosinecki e Dejan Savicevic e do lado argentino era Maradona quem mais se destacava. Apesar de o avançado argentino ter falhado um golo nos penáltis, o guarda-redes da seleção argentina conseguiu defender dois penáltis e deu assim a vitória à Argentina.
A Argentina de Maradona defrontou a Itália nas meias-finais do Mundial e o jogo entre as duas seleções aconteceu em Nápoles, num Estádio e numa cidade bem conhecida por Maradona.
Semifinal do Campeonato do Mundo e uma cidade dividida em dois
Maradona sabia que em Nápoles o hino nacional da Argentina ia ser respeitado, ao contrário do que aconteceu no norte do país. O jogador também estava ciente da sua importância na cidade e na preparação para a semifinal tentou usar a sua influência para ganhar o apoio dos italianos para poderem apoiar a Argentina.
Aos jornalistas, Maradona afirmou que “Os napolitanos estão a ser convidados a ser italianos por uma noite, enquanto os outros 364 do ano são chamados de terroni (camponeses em calão)”. O avançado argentino avançou que “Eu só quero respeito pelos napolitanos, tanto os meus companheiros de equipa como eu sabemos que eles são italianos, não podemos pedir-lhes que torçam por nós, mas o resto da Itália deve saber que o povo de Nápoles é tão italiano como eles”.
Este apelo de Maradona impressionou muitos, mas não conseguiu fraturar a lealdade dos napolitanos à seleção italiana. Durante o jogo, podia ler-se numa faixa “Maradona, Nápoles ama-o, mas a Itália é a nossa pátria”, enquanto outra faixa tinha uma mensagem que dizia “Diego nos nossos corações, a Itália nas nossas canções”.
Maradona foi aplaudido de pé quando entrou em campo pela primeira vez, enquanto o hino argentino foi respeitado por todos no estádio.
A Itália assumiu a vantagem do jogo aos 17 minutos com um golo de Toto Schillaci, no entanto, um golo do jogador argentino Claudio Caniggia igualou o jogo na segunda parte. Após momentos tensos de incerteza, a Argentina voltou a ganhar um jogo nos penáltis.
O guarda-redes argentino Sergio Goycochea foi novamente o herói do jogo ao conseguir defender dois penáltis de Roberto Donadoni e Aldo Serena, dando assim a vitória à Argentina.
O guarda-redes italiano, Walter Zenga, admitiu mais tarde que o ambiente vivido no Estádio San Paoplo teve um efeito psicológico sobre a equipa italiana. Ele afirmou que “Isso afetou-nos”, acrescentado “é difícil de explicar em cinco ou seis palavras, mas viemos de Roma onde jogamos cinco jogos com cinco vitórias e nenhum golo sofrido. O estádio inteiro não quis saber se eram fãs de Roma, do Lazio, do Inter ou da Juventus. Foi um apoio total de todos durante os 90 minutos”. Zenga acrescentou que “Então chegamos a Nápoles, Maradona diz algumas coisas e o ambiente mudou. Não podemos olhar para isso como uma desculpa para a derrota contra a Argentina, mas o sentimento era diferente. Surpreendeu-nos, mas não nos fez perder”.
A final do Mundial de 1990 e o regresso dos insultos à Argentina
Maradona deve ter sentido que tinha dado uma lição aos Italianos do Norte e que isso lhe fez ganhar o jogo contra a Itália em Nápoles.
Nos dias que antecederam a final do Mundial de 1990 entre a Argentina e a Alemanha Ocidental que teve lugar em Roma, uma série de incidentes aumentaram a tensão. O irmão de Maradona, Lado, foi preso pela polícia enquanto conduzia o Ferrari de Maradona. Outro incidente ocorreu no espaço de treino argentino em Trigoria quando um adepto italiano conseguiu furar a zona de segurança e vandalizou a bandeira argentina.
A tensão vivida entre a Argentina e a Itália era bem visível, por isso, quando os jogadores argentinos entraram em campo na final do Mundial foram insultados e ouviram-se assobios por todo o estádio.
O hino nacional argentino mal era audível por causa do barulho dos adeptos presentes no Estádio Olímpico de Roma e quando a câmara que filmava os jogadores a cantarem o hino nacional mostrou Maradona, ele estava a fizer as palavras “hijos de puta, hijos de puta” de forma repetida em resposta às provocações dos adeptos nas bancadas.
O jogo que se seguiu foi tão caótico quanto os insultos vindos das bancadas sendo que os jogadores argentinos Pedro Monzón e Gustavo Dezotti foram expulsos durante o jogo. O jogo acabou por terminar com uma vitória da Alemanha Ocidental com um golo de Andreas Brehme com um penálti aos 85 minutos.
Os adeptos italianos em Roma festejaram a derrota da Argentina após o apito final, mas a seleção argentina não ficou nada satisfeita com a arbitragem e protestou o desempenho do árbitro mexicano Edgardo Codesal. A Argentina acabou por regressar ao seu país sem o troféu.
Poucos meses depois desta final, Maradona acabou por deixar a Itália devido ao uso de cocaína que foi detetado num teste de drogas num jogo contra o Bari.
Apesar dos comentários anti italianos que fez em 1990 na altura do Mundial, Maradona manteve sempre o seu estatuto de figura de inspiração para todos os napolitanos. O Nápoles deixou de usar o número 10 em honra de Maradona em 2000. Após a sua morte 20 anos mais tarde, o jogador foi homenageado com o seu nome no estádio do clube. Quem visitar a cidade de Nápoles encontra agora o Estádio Diego Armando Maradona assim como imagens do jogador por toda a parte.
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