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Rui Gomes da Silva responde a Luís Filipe Vieira: “Lamento o Benfica das comissões”

Rui Gomes da Silva responde a Luís Filipe Vieira: “Lamento o Benfica das comissões”

“Caro Luís,

Vi – com o interesse merecido – a tua entrevista à BTV.

Afinal, ainda és presidente do Benfica e tudo o que possas dizer e fazer, nessa qualidade, será sempre relevante, pois cada uma dessas tuas declarações ou decisões “mexem” com a paixão de todos nós, benfiquistas!

Fui Vice-Presidente do Benfica durante 7 anos e 3 meses (entre Julho de 2009 e Setembro de 2016), em dois mandatos de uma Direção por ti liderada, como fui, durante 3 anos (2009/2012) administrador da SAD do futebol, cargos que desempenhei com muito orgulho, e dos quais saí com a plena consciência do dever cumprido.

Fui solidário quando tive de o ser, mas nunca abdiquei do meu benfiquismo, nem dos valores que defendo para o Benfica!

Enfrentei todos quando defendi sozinho – na SAD e na Direção – a não renovação do contrato com a Olivedesportos e a independência do Benfica quanto à exploração dos seus direitos televisivos.

Contra a tua posição, quase até ao último minuto (lembras-te da reunião de Órgãos Sociais que convocaste e quiseste ouvir todos os membros, para te validarem, então, a opção pela continuidade da Olivedesportos?), embora, hoje, todos percebam quão importante foi essa decisão para romper e desalojar de certos poderes no futebol português, quem os ocupava há anos e anos!

Como te posso recordar a minha voz assumidamente contra o “aburguesamento da estrutura” – que se tinha acomodado ao êxito – no primeiro ano de Rui Vitória, quando íamos a muitos pontos do líder, mas acabámos campeões!

Ou a forma como – lá dentro – contra tudo e contra todos, contra o riso de desdém de uns e o sorriso de complacência de outros (porque não conhecendo ou não sendo do Benfica, acham isso impossível), defendi sempre a aposta na Europa como o grande desígnio do Benfica, com base num raciocínio tão simples quanto uma equipa forte na Europa também o seria naturalmente no campeonato português.

Lembrar-te-ás bem que ninguém, ninguém mesmo, acreditava nisso nem sequer achava possível essa aposta!

E a minha pergunta, recorrente, sempre (como, aliás, referi, na minha ultima Assembleia Geral, como Vice Presidente, a única em que, nessa qualidade usei da palavra, tão grande era o desconforto quando eu queria falar e tão grande era o esforço para que eu não usasse da palavra), era a de se a geração do meu Pai tinha conseguido fazer do Benfica bi campeão europeu, o que teríamos nós a menos para o não conseguirmos?

Ou o que teria sido de Presidentes históricos como Borges Coutinho, Ferreira Bogalho ou Maurício Vieira de Brito sem essa ambição de fazer do Benfica grande?

Estive ao teu lado sempre que foi preciso, até à altura em que tu quiseste mudar.

E, para não teres uma voz incómoda dentro da Direção a clamar contra uma parceria que só prejudica o Benfica (como havemos, todos, infelizmente, de constatar), mudaste as regras para eu ficar sem legitimidade.

Nunca precisei de cargos para defender aquilo em que acredito!

Tentei fazer ver que aquele não era o caminho certo – como referi, em privado, no encontro de quadros de Junho de 2016, quando anunciaste essa “parceria estratégica”, mas também aqui houve razões que a razão desconhece!

dessa tua opção porque o Benfica que ambiciono, o Benfica com que sonho não pode ser um instrumento pessoal de ninguém.

Seria fácil para mim ter ficado, como querias – fazendo figura de corpo presente como a esmagadora maioria dos que tens a teu lado que, por um convite no Camarote Presidencial e um lugar nas viagens ao estrangeiro nas deslocações da equipa concordam com tudo (embora, em boa verdade, não saibam por que concordam nem sabem porque deveriam discordar).

O mesmo lugar no Camarote Presidencial e nas viagens com a equipa ao estrangeiro que me quiseste manter, na nossa última conversa comigo como Vice-Presidente, que te agradeci, mas recusei!

Porque – para além de, mesmo enquanto Vice-Presidente, ter continuado a pagar o meu lugar e o dos meus 3 filhos e o parque automóvel (como facilmente pode ser verificado) – há coisas que só se podem ter com base na legitimidade democrática, sob pena de deixarmos de poder dizer o que pensamos!

O meu benfiquismo não está à venda!

Nunca esteve.

Depois da salvação do Benfica, por Manuel Vilarinho e da recuperação financeira, pela tua mão, era chegado o tempo – como tantas vezes defendi – do projeto desportivo para o Benfica voltar a ser muito grande na Europa.

Mas tu mudaste, porque esqueceste o Benfica e começaste a privilegiar os negócios e a parceria estratégica, sacrificando a qualidade da equipa.

As humilhações na Europa a que temos penosamente assistido são da tua responsabilidade, pois só pensas em transferências, aliado a quem só pensa em comissões, e desprezas o fortalecimento do nosso plantel de futebol.

Infelizmente, o rumo a que conduziste o Benfica só nos tem enchido de preocupação.

Lamento que, hoje, o Benfica, gerido por ti seja o Benfica das comissões, do enriquecimento dos empresários – não me obrigues a dar nomes – e das OPAS dos teus amigos ou sócios, … dos negócios sucessivos que destroem a equipa.

Em Portugal, nos últimos anos, temos mais campeonatos, mas perante adversários falidos.

Quando não o estavam quantos campeonatos conseguiste vencer?

Lamento que faças da BTV um canal fechado e de veneração própria, algo que colide com os valores de sempre do Benfica, em que nunca nada foi obra de um só homem nem para a imagem e a projeção de um só homem, mas sim pelo e para o Clube.

Apelidaste-me de anti-benfiquista mas, claramente, confundiste-te nessa tua ânsia de repetires os que os teus homens de imagem te disseram para me chamares.

Sabes, que eles (muitos nem sequer são do Benfica) não conhecem a História do Benfica!

Sou – desde a última renumeração – o sócio 1812, sócio desde 23 de Agosto de 1958.

Sem interrupções como sócio e como benfiquista.

Nasci no Porto, com muito orgulho, mas nunca fui sócio do FC Porto.

Nem um dia, quanto mais 24 anos.

Nem descobri o Benfica já na idade adulta.

Nunca me sentei na Tribuna do antigo Estádio das Antas ao lado do presidente do FC Porto a vibrar com golos do clube da casa.

Nunca fiz negócios com o FC Porto, nem sequer fui visita de casa do seu presidente, muito especialmente numa altura em que o Benfica era semana após semana prejudicado pelo sistema de então, nos anos 90.

Não fui eu que, subserviente, me sentei, em S. Bento, ao lado de quem, ainda há muito pouco tempo, nos chamava de corruptos.

Estamos – portanto – esclarecidos quanto a quem terá sempre um lugar de privilégio no Porto Canal!

Sabes porquê?

Porque lá são todos portistas!

E sabendo que sou benfiquista a tempo inteiro e não em part-time, nunca me convidarão para lá ir!

Infelizmente, ser benfiquista a tempo inteiro não se pode aplicar a quem escolhes para estar na BTV ou ao teu lado nos últimos tempos, se nos recordarmos e quem estava, por exemplo, ao lado de Bruno de Carvalho, no Sporting, como seu mentor de imagem e de comunicação, com os ataques ao Benfica que conhecemos.

Não queres debater, não queres escrutínio aos teus atos de gestão, não aceitas ter o voto eletrónico confirmado com uma votação física ao lado…

Isso – Luís – nada tem a ver com a tradição democrática do Benfica!

Estás sem ideias, sem genica, sem paixão.

Pensas só em ti e não no Benfica e nos sócios.

A tua entrevista acaba por ser um exercício notável de hipocrisia.

A minha ambição, o meu sonho para o Benfica é continuar o trabalho que iniciamos juntos a 3 de Julho de 2009.

Tu abandonaste esse rumo para, em prejuízo do Benfica e do que deve ser a nossa preocupação única, te preocupares e sobreviveres nos negócios.

Estás tão preso nesse teu medo de perderes o controlo do Benfica que até falas em tomar decisões em 2028, daqui a 3 mandatos.

Não percebes que o Benfica não é teu nem nunca será de ninguém.

É de todos nós!!!

Tu sabes que eu julgo – e apesar desse teu esforço, tudo farei para que a minha convicção não se venha a tornar realidade – que esse é o teu desígnio último.

Ficar – em conjunto com os teus amigos – com a maioria da SAD do Benfica (ou com um acordo parassocial de gestão, primeiro, que conduzirá ao mesmo em pouco tempo).

Por isso é que quando falas em investidores interessados na SAD do Benfica, afirmo que, comigo, nunca, como te disse na penúltima conversa a sós, no teu Gabinete, antes da ultima que confirmou a minha saída da Direção!

Comigo como Presidente, o Benfica nunca será despromovido a um qualquer “Wolves” ou instrumento de qualquer testa de ferro.

Tenho uma equipa, um programa, um projeto para o Benfica e para os benfiquistas que passa por um clube e uma SAD independentes de poderes externos.

A seu tempo serão revelados, e nunca no tempo que outros querem.

O pensamento de qualquer Presidente do Benfica tem que estar sempre nos sócios do clube, e por isso apelei a que fosse devolvido parte do valor dos cativos aos sócios, apelo ao qual cedeste.

Apelei que o clube apoiasse as Casas do Benfica, apelo ao qual cedeste embora não na medida que acho ser necessária.

Apelei a que todos os benfiquistas mostrem aos atletas a força do clube por colocarem os seus cachecóis à janela nos dias de jogo até ao final do campeonato.

Sim, o Benfica não existe sem a paixão de todos os benfiquistas!

Eu vou retomar o rumo de um Benfica Europeu, empenhado, rigoroso e em que a prioridade seja encher de orgulho todos os benfiquistas com as conquistas no campo.

Foi esse rumo, feito de paixão, mas também de muito trabalho e rigor, que construiu o Benfica.

O Benfica que quero deixar, quando sair da presidência, é um Benfica que orgulhe todos os benfiquistas quer pelos resultados desportivos, mas também pelos métodos, pela postura e pelos valores.

Foi isso que me ensinaram e é esse Benfica que quero deixar e pelo qual vou lutar.

Rui Gomes da Silva, sócio 1812 do Sport Lisboa e Benfica”